A mística do Preto
Velho é fruto de condições e
circunstâncias únicas em terras brasileiras.
A sofrida vida dos escravos, trazidos da África, já bastante documentada e comentada, fazia com que os indivíduos, em função do penoso e extenuante trabalho a que eram submetidos, somado aos maus tratos, vivessem, em média, somente sete anos após sua chegada ao Brasil.
A sofrida vida dos escravos, trazidos da África, já bastante documentada e comentada, fazia com que os indivíduos, em função do penoso e extenuante trabalho a que eram submetidos, somado aos maus tratos, vivessem, em média, somente sete anos após sua chegada ao Brasil.
As mudanças no panorama econômico brasileiro, como a decadência
do ciclo da cana-de-açúcar e a redução da atividade mineradora, fizeram com que
uma grande leva de escravos migrados, para os centros urbanos, pudesse levar
uma vida mais amena e conseguisse ter uma expectativa de vida mais longa.
Mesmo assim as condições de salubridade, nesta época, não
favoreciam a longevidade.
Então surge a figura daquele escravo que, apesar das suas condições de vida, alcança idade avançada, personificando o patriarca da raça, cuja sapiência parece lhe ser conferida pelos cabelos brancos.
Então surge a figura daquele escravo que, apesar das suas condições de vida, alcança idade avançada, personificando o patriarca da raça, cuja sapiência parece lhe ser conferida pelos cabelos brancos.
Nas sociedades tradicionais, a figura do idoso é um símbolo da
experiência de vida e um pilar da cultura do grupo a que pertence; aquele que
deve ser ouvido e cujos conselhos devem ser seguidos.
Vemos, portanto, o aparecimento de uma entidade cuja linha de
trabalho é marcada pela tolerância, rústica simplicidade e um profundo
sentimento de caridade. Só quem sofreu na carne as desventuras da vida, pode
entender ou se aproximar da compreensão do sofrimento alheio, porque é possível
responder a toda violência sofrida, com amor, sem nenhum sentimento revanchista
ou de vingança.
Característica típica da raça africana é o apego à vida, alegria
que se manifesta em musicalidade e uma sabedoria ancestral quase biológica, que
transparece na religião.
A forma como se apresenta nos terreiros de Umbanda, através dos
médiuns, é como uma pessoa muito idosa, curvada pelos anos. Às vezes apoiado em
uma bengala, com uma voz meiga, algo paternal que atrai a confiança e simpatia
de quem ouve.
Com movimentos lentos, típicos de um ancião, geralmente senta-se em um pequeno banquinho ou num pedaço de tronco, fumando seu cachimbo de barro ou um cigarro de palha, queimando seu fumo de rolo.
Com movimentos lentos, típicos de um ancião, geralmente senta-se em um pequeno banquinho ou num pedaço de tronco, fumando seu cachimbo de barro ou um cigarro de palha, queimando seu fumo de rolo.
Gosta de beber desde a cachaça branquinha até o vinho tinto bem
forte ou um café amargo. Mas uma de suas bebidas favoritas é a polpa do coco
verde, triturada no pilão e misturada com um pouco de pinga.
As histórias que ouvimos a respeito dos Pretos Velhos, são bastante
variadas e pitorescas.
Dizem que em vida, foram grandes sacerdotes do culto dos Orixás;
que viveram muitos anos devido a seus conhecimentos mágicos, alcançaram a
sabedoria e usam estes conhecimentos misturados a um pouco de bruxaria, para os trabalhos de cura e descarrego.
Porém, algumas histórias nos dizem que eles foram homens comuns,
que alcançaram a redenção espiritual através dos suplícios do cativeiro. A sua
tolerância ao martírio, sem manifestar revolta ou ódio pelos seus algozes e o
profundo amor indiscriminado pela humanidade, os ascendeu a um patamar de
mestres espirituais.
Outros nos contam que, em vida terrena, os Pretos Velhos eram homens predestinados, encarnados
para assegurar um lenitivo ao sofrimento dos escravos, e que, por sua bondade e
sabedoria, cativaram a amizade até dos senhores brancos, a quem também acudia
com conselhos e curas. Daí a sua relativa liberdade para atender, com suas
curas, ao povo pobre e sua misteriosa longevidade que lhe proporcionava a fama
de sábio e feiticeiro por viver muito mais que a maioria dos escravos comuns.
A idade avançada de um escravo, já era por si própria, digna de
notoriedade, por fugir, muito, da realidade do cativeiro. Por isso, aquele
elemento devia ter alguma coisa diferente.
Preto Velho também
gosta de beber, em seu coité, uma mistura de folhas de saião, trituradas com
mel e cachaça.
Um dos pratos típicos servido nas festas ou como oferenda ao Preto Velho, e o mais
brasileiro de todos, é feijoada. Comida nascida no Brasil é o resultado de
circunstâncias e do gênio da raça negra.
O feijão preto era o mais básico e barato alimento na senzala.
Plantado, colhido e preparado pelos escravos, na própria fazenda em que
trabalhavam, era, às vezes, enriquecido pelas sobras de carne da cozinha da
casa grande (geralmente porco). As partes que o senhor branco não comia, como
os pés, a orelha, a garganta, o rabo, o focinho, etc., iam direto para o tacho
coletivo e assim nascia a feijoada.
A falange dos Pretos
Velhos guarda sinais
particulares e individuais da origem dos elementos que a compõem. Antigos
escravos, estes ainda conservam certas designações que denunciam de qual nação
ou tribo africana eram oriundos. Assim encontramos Pai Tião D’Angola, Vovó
Maria Conga, Vovô Cambinda, Pai Joaquim de Aruanda, Pai Zeca da Candonga, todos
com uma característica comum: a bondade e a doçura com que tratam os fiéis que
os consultam, procurando um alívio para suas aflições.
Grandes conhecedores de magia, dos feitiços de Exú e das propriedades curativas das ervas, os Pretos Velhos usam também a fumaça de seus cachimbos, como os pagés e caboclos, para dissolver as cargas e energias negativas que envolvem as pessoas.
Trabalham com passes magnetizantes e indicam banhos de ervas para seus consulentes.
Porém uma de suas características mais marcantes é sua força psicológica. Sustentada pelo conhecimento espiritual, esta entidade surpreende e encanta.
Grandes conhecedores de magia, dos feitiços de Exú e das propriedades curativas das ervas, os Pretos Velhos usam também a fumaça de seus cachimbos, como os pagés e caboclos, para dissolver as cargas e energias negativas que envolvem as pessoas.
Trabalham com passes magnetizantes e indicam banhos de ervas para seus consulentes.
Porém uma de suas características mais marcantes é sua força psicológica. Sustentada pelo conhecimento espiritual, esta entidade surpreende e encanta.
Ensinando, com seu exemplo, a resignação aos golpes kármicos do
destino.
Conhecido como o psicólogo dos pobres, o Preto Velho, embasado em sua rica experiência de vida e transpirando a sabedoria da idade, sabe, como ninguém, ouvir e entender os problemas de seus fiéis.
Conhecido como o psicólogo dos pobres, o Preto Velho, embasado em sua rica experiência de vida e transpirando a sabedoria da idade, sabe, como ninguém, ouvir e entender os problemas de seus fiéis.
O grande segredo desta virtude está no perdão aos sofrimentos
recebidos. Perdão este, sem discurso demagógico, que vem de um sentimento puro
de desapego e humildade. Humildade. Talvez seja esta a palavra chave do carisma
do Preto Velho.
A linha dos Pretos
Velhos está dentro da
“falange das almas”. Seres desencarnados que alcançaram uma luz espiritual e
retornam, através dos médiuns, ao plano terreno, numa missão de caridade, como
que resgatando uma dívida espiritual, ajudando os necessitados, tanto na parte
física, com passes magnéticos, defumações e indicando ervas curativas, como na
psicológica, com conselhos e amparo afetivo, praticando a bondade incondicional
que lhes é inerente.
Estas entidades, dizem alguns, compõem uma linha ligada ao Orixá
Omolú, voltada para a cura e lenitivo nas aflições dos pobres.
As contas pretas e brancas que formam a sua guia, denunciam uma
similaridade de natureza com este Orixá – Omulú/Obaluaiê – ligado à terra e às
doenças, dela provenientes, além do semelhante histórico de sofrimentos
vividos.
Estes guias, normalmente, incorporam em seus médiuns, atendendo
ao chamamento dos pontos cantados em sua homenagem, nos terreiros, mas podem
também “baixar” pelo magnetismo de uma oração ou de uma concentração mental dos
fiéis.
Dependendo da pureza ou da mestiçagem dos rituais de um centro
espírita, podem ser usados atabaques, com seu toque característico da Umbanda,
ou apenas cantos marcados pelo bater de palmas, como verificamos nos terreiros
mais tradicionais que ainda conservam a liturgia simples e despojada dos
primeiros terreiros de Umbanda.
A sua maneira característica de incorporação, com o dorso
curvado, de andar lento e inseguro, procurando apoio numa bengala, indicam,
instantaneamente, a natureza da entidade. Porém dizem alguns estudiosos que
este comportamento é apenas uma faceta cultural, pois estas entidades, já não
tendo o corpo material próprio, não poderiam se movimentar aparentando
limitações físicas, que na maioria das vezes nem sequer são oriundas dos
médiuns.
O seu discurso nas preleções e conselhos transpiram uma mensagem
cristã de perdão e compaixão, evidenciando a influência dessa religião com as
citações sobre Jesus e os santos católicos.
Uma perfeita mistura da moral cristã, com os costumes africanos
e o conhecimento da medicina natural, com práticas de pajelança.
As guias usadas nos terreiros vêm da direta influência africana,
porém, uma das guias preferidas pelos Pretos
Velhos, é formada pelas contas de uma semente vegetal que varia do branco
leitoso ao negro. Conhecida, popularmente, como lágrimas de Nossa Senhora, são
extraídas de uma planta da família das gramíneas, entrelaçadas com dentes de
porco selvagem, à moda indígena, crucifixos e outros fetiches africanos, como a
figa de guiné, revelando a miscigenação cultural / religiosa brasileira.
Por pertencer à falange de entidades desencarnadas ou “linha das
almas”, os Pretos Velhos sofrem uma discriminação nos terreiros
afro-brasileiros mais tradicionais de Candomblé. Porém, apesar de não figurarem
no rol exclusivista dos Orixás africanos, os Pretos
Velhos mantêm certo
prestígio, não oficial, nos corações das pessoas que pertencem a cultos mais
puristas.
Não raro vemos membros de Candomblés, muito exclusivistas, se
renderem à docilidade e ao carisma desta entidade.
Talvez, devido aos laços culturais e étnicos que não podem negar
e, também, por uma série de misteriosas histórias ouvidas, de que muitas dessas
entidades foram, em vida, iniciados no culto dos Orixás. Muitos morreram sem
ter quem lhes fizessem os ritos funerais que os separaria dos seus Orixás que
foram assentados em suas cabeças e, portanto, estão indissoluvelmente ligados,
no plano astral, ao ambiente mágico dos ancestrais de uma nação.
Devido ao seu modo peculiar de falar, com erros de gramática e
concordância e com expressões roceiras, que demonstra a falta de instrução formal,
os Pretos Velhos são
menosprezados por alguns, como espíritos atrasados e de pouca luz. Porém seus
defensores argumentam que a exatidão do português e o lirismo das palavras não
indicam a elevação espiritual de ninguém. Sustentam que grandes vultos da
história da humanidade, que possuíam uma retórica exemplar e uma personalidade
magnética, foram grandes genocidas, como Hitler e tantos outros e que, se
pudessem dirigir alguma mensagem mediúnica poderiam parecer espíritos bastante
iluminados.
A qualidade da mensagem espiritual está no conteúdo, na
compaixão que transparece nos atos e não na forma mecânica de sua construção.
Estas entidades, verdadeiros psicólogos, que falam a língua dos
pobres e lhes tocam o coração, são grandes curadores no plano físico e
espiritual, usando seu conhecimento fototerápico com defumações e banhos de
limpeza astral, são mais eficientes em sua caridade do que os discursos
filosóficos de uma intelectualidade distante da realidade.
Quando falamos dessa grande falange, referimo-nos também às entidades do gênero feminino, que povoam os terreiros com sua graça e candura. As Pretas Velhas, Vovó Maria Conga, Mãe Selma da Caconde, Tia Anastácia Cambinda, Mãe Rosa da Bahia e muitas outras.
Quando falamos dessa grande falange, referimo-nos também às entidades do gênero feminino, que povoam os terreiros com sua graça e candura. As Pretas Velhas, Vovó Maria Conga, Mãe Selma da Caconde, Tia Anastácia Cambinda, Mãe Rosa da Bahia e muitas outras.
A mesma história, vivida pelo gênero masculino, encontramos
também entre estas entidades que passaram pelas mesmas agruras e conservaram em
seu íntimo a bondade e o perdão.
As manifestações das Pretas
Velhas seguem características
semelhantes às dos Pretos
Velhos.
O seu modo de incorporação, com uma postura curvada, o andar
dificultoso e o gosto pelo cachimbo de barro com fumo de rolo.
Assim as Pretas
Velhas, da Umbanda, são referência de resignação e desprendimento,
erradicando os sentimentos de raiva e ressentimento que poderiam advir das
humilhações e torturas sofridas pelo seu povo no passado.
A condição do negro, após a escravidão, não mudou muito. Apesar
disso, a postura solidária e mansa dessas entidades, tem sido um baluarte na
valorização da cultura afro-brasileira, superando a estigmatição social de
inferioridade, como um exemplo da grandeza espiritual do povo africano, que,
apesar das atrocidades sofridas, soube semear exemplos de amor e caridade,
exemplificando com suas vidas, a força da religião que souberam preservar.
Carinhosamente, também chamados de pai preto, estes guias
ensinam uma importante lição de humildade e resignação diante das adversidades
da vida, sem perder a alegria e o bom humor. É comum ouvir, dos mesmos,
observações jocosas a respeito dos problemas. Simplificando o que parecia
complicado, dando esperanças para fortalecer psicologicamente seu consulente,
porque sabe que se fraquejarmos na lida da vida, os problemas se tornam maiores
e não suportamos o fardo.
A grande lição que ensinam estas entidades é que colhemos o que
plantamos. E esta é uma grande oportunidade para rever os erros cometidos,
tomar consciência da nossa responsabilidade por nós mesmos na busca da
felicidade.
A característica interessante é a forma descompromissada desta
prática espiritual com o formalismo e austeridade presente em outras religiões.
O adágio popular de que os velhos se parecem com crianças, tem um profundo
senso prático no trabalho dos Pretos
Velhos.
A informalidade e humildade destas entidades fazem os fiéis se
sentirem descontraídos, como se estivessem na presença de um membro da família
ou um velho amigo mais sábio, que lhes atende e aconselha falando francamente,
procurando ajudar a resolver seus problemas.
Uma antiga história contada nos terreiros de Umbanda, fala de um
escravo, cativo em uma fazenda de cana-de-açúcar no Nordeste, que desde que
chegara ao Brasil, parecia ser predestinado à uma missão espiritual.
Missão esta, diziam, lhe ter sido outorgada por Oxalá. Apesar da
dura vida no cativeiro, nunca se revoltou com o destino.
Grande conhecedor das ervas curativas e das mirongas de sua
terra natal, pois fora um sacerdote iniciado no culto dos Orixás, tratava dos
outros escravos, minimizando seus sofrimentos. A fama de seu trabalho de
caridade chegou até a casa grande e passou também a assistir aos senhores
brancos, sem nenhum traço de ressentimento.
Passou a ser chamado carinhosamente, por todos, de Pai Preto e
passou a vida divulgando a prática da bondade incondicional.
Quando já estava velho, com quase 90 anos de idade, sua história
chegou aos ouvidos de padres missionários, que, zelosos de sua catequese,
decidiram ser Pai Preto um feiticeiro pagão que deveria morrer para servir de
exemplo a quem ousasse interferir nos ensinamentos da Santa Igreja Católica.
Foi então dada a ordem para a sua execução. Porém até os
senhores de engenho, que também muito lhe deviam por suas curas, resolveram
burlar a ordem e esconder Pai Preto em local seguro, onde pudesse continuar a
lhes prestar serviços. Mas a obstinação e a consciência de sua missão fizeram
Pai Preto prosseguir, sem medo. Este continuava a trabalhar, em seu corpo
espiritual.
Então as autoridades religiosas enviaram outra ordem: o “feiticeiro”
devia ser desenterrado e sua cabeça separada do corpo e enterrada bem longe
para que seus feitiços cessassem.
Desta vez, temerosos com as possíveis consequências da
desobediência, seus amos resolveram matá-lo e fugir de complicações.
Assim, beirando os noventa anos, este ancião deixa o plano
físico e começa uma nova missão no plano astral. Através dos médiuns que lhes
servem de veículo, continua o trabalho de caridade e ajuda nos terreiros de
Umbanda.
Afirmam outros que o verdadeiro nome de Pai Preto era Jeremias e
que hoje é saudado como Pai Jeremias do Cruzeiro.
Toda a liturgia aparentemente caótica, nas incorporações do Preto Velhos,
demonstram um quadro clássico da Umbanda. Os fiéis, ignorando o que seus olhos
vêem, enxergam não o médium, mas um velhinho negro alquebrado pela idade e pela
vida, usando às vezes um chapéu de palha, outras um pano enrolado na cabeça,
com um galho de arruda pendurado atrás da orelha, apoiado numa bengala, fumando
um cachimbo ou um charuto, rindo e bebendo no seu coité de casca de coco, até
café amargo, bebida que muito aprecia, e, por vezes mastigando uma rapadura.
É quase um membro da família, aquele vovô sábio e bondoso que
todos gostariam de ter.
É quando todas as barreiras caem e as pessoas entregam, aos seus
ouvidos pacientes, suas histórias e mazelas, sem nenhum pudor de confessar
fracassos ou desilusões. Por que não se sentem falando a um estranho, mas a
alguém que parece conhecê-los desde o início de suas vidas.
Usa uma vestimenta simples e branca, típica dos praticantes da
Umbanda, lembrando a pureza de sentimentos e o vínculo simbólico com Oxalá, Pai
criador dos homens e seu enorme amor pela humanidade.
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